terça-feira, 18 de setembro de 2012

ANIMAL NEWS - O Cão que sente o cancro

Graças a um olfacto excepcional, Aspirant, o pastor belga, consegue detetar esta doença potencialmente mortífera com notável precisão. É revolucionário!

“Busca, Aspirant, busca!” Num tom suave mas firme. Anthony Frémont incita o seu pastor belga – também conhecido como berger malinois. Com o focinho a brilhar, o cão avança direito a três mesinhas de madeira clara, cada uma com uma gaveta. O pelo ruivo de Aspirant contrasta com as luzes fluorescentes do teto e os azulejos nus que dão à sala um ar de hospital.
Estamos nos canis da Base Aérea 123 Orleães-Bricy. Nesta manhã, de Abril de 2008, o cabo Frémont, do Exercito Francês, desempenha um papel crucial na pesquisa médica sobre o cancro.
 
Aspirant detém-se em frente da gaveta mais à esquerda, fareja a mais à direita, volta-se para a da esquerda e de súbito senta-se em frente da mesa do meio. Com o focinho brilhante, ele espera de olhar fito na mesa.
 
“Acertou”, exclama Frémont para um homem que até então se tinha mantido afastado.
Expectante no fundo da sala, o ajudante-chefe Joel Pietras está encantado. Treinador de cães do Exército Francês, foi ele que treinou o Pastor Belga. “Muito bem, bonito cão!”, saúda Pietras, enquanto abre a gaveta para retirar a amostra de urina. É de um doente que sofre de cancro na próstata. Os dois homens olham um para o outro. A experiência é um sucesso. Este cão é capaz de identificar amostras positivas.

Em França e no resto da Europa, o cancro da próstata é o mais mortífero entre os homens. O rastreio normal é insatisfatório pois não diferencia suficientemente cedo entre os tumores invasivos e benignos, para despistar o problema muitos médicos de família receitam testes que são muitas frequentemente traumáticos, dolorosos e além disso induzem em efeitos secundários.

Todos os anos, em França, dos 70 000 casos identificados pelo rastreio são tratados 20 000 doentes que provavelmente não sofrem da doença, mas simplesmente de uma inflamação, ou hipertrofia, da próstata, por outro lado 10% dos tumores não são detetados. Noutros países as estatísticas são semelhantes.

31 de Janeiro de 2007,o professor Olivier Cussenot ficou convencido. Os cães são capazes de detetar assinaturas químicas como a sarcosina - presente na urina -, que está ligada ao desenvolvimento de cancros invasivos. Também está certo que é através do Exercito que irá conseguir o cão ideal para levar a cabo a sua investigação. Os militares treinam os cães para detetar drogas, pessoas, explosivos, porque não o cancro?
Decide escrever uma carta à ministra da Defesa, Michelle Alliot-Marie, alegando os artigos recentemente publicados sobre testes conclusivos de deteção olfativa de cancros.
Em poucas linhas, realça a capacidade olfativa dos cães, muito superior à do mais sensível nariz electrónico, pedindo que colocasse uma unidade canina à sua disposição. A carta recebe uma resposta positiva menos de um mês depois.

Bélgica, Alemanha e Holanda fornecem todos os anos o meio milhar de cachorros necessários para o Exército Francês preencher as suas necessidades para missões de combate e detecção. Foi assim que a 10 de outubro de 2007 Aspirant iniciou a sua carreira militar. Começou por baixo. O dono considerava-o incapaz do trabalho exigente da competição em concursos caninos, e foi de boa vontade que se viu livre dele.
Desde o momento em que Aspirant chega à base, o ajudante-chefe Pietras observa-o cuidadosamente. Pietras acabara de ser encarregado de encontrar um cão adequado a determinados testes clínicos. Procura um cão que possa ser brincalhão, mas também concentrado – qualidades essenciais para o treino. O focinho longo de Aspirant agrada-lhe, e aquela forma como ele é capaz de saltitar sobre uma bola, mas logo  a seguir voltar a pôr o focinho no chão.
 
Encantando Pietras diz aos colegas: “Não há dúvida, é um farejador.”
 
O treino do pastor belga começa em dezembro de 2007 com uma brincadeira. No quarto de azulejos brancos, três vezes por semana, duas horas de cada vez, Pietras coloca na gaveta de uma mesinha a bola do cão e um pedaço de pano ensopado com a urina de um doente com cancro. Aspirant procura a bola, encontra-a e associa o seu brinquedo ao cheiro daquela urina. Depois o ajudante-chefe acrescenta duas mesas, idênticas à primeira. Desta vez, a amostra de urina é colocada numa das gavetas, mas sem a bola. Se o cão escolher a gaveta certa, recebe o brinquedo como recompensa. Uma recompensa bem merecida, pois ao fim de cada sessão ele tem o ritmo cardíaco acelerado, e a respiração ofegante, devido aos surtos repetidos de inspiração e expiração.


Na primavera de 2008, Aspirant passa ao estágio seguinte: reconhecer a amostra de um doente entre amostras saudáveis. Tanto ele como o treinador – o ajudante-chefe Pietras – trabalham às cegas. Só o cabo Frémont sabe qual a gaveta que contém a amostra positiva do doente, quando o cão a deteta, recebe a bola.
 
Ao longo de 15 meses de treino, Aspirant refina o seu olfacto a um nível que surpreende até os seus treinadores.
 
“Um dia”, lembra Anthony Frémont, “Aspirant detém-se frente a uma gaveta que contém uma amostra rotulada como saudável. Não o recompenso e repetimos o teste. Ele volta a sentar-se em frente da mesma gaveta. Preocupado, ligo ao ­Professor Cussenot para me assegurar que a amostra de urina é efetivamente saudável. O Professor confirma mas por precaução recomenda uma segunda biopsia ao paciente, que desta vez revela que ele está doente. Por outras palavras Aspirant detetou a doença num estágio muito precoce!”
 
Em Fevereiro de 2009, os primeiros testes oficiais têm lugar na escola veterinária de Paris na presença do professor Cussenot. Os resultados de Aspirant são impressionantes: sem falha, identifica trinta amostras entre trinta e três testadas, ou seja, 90%.
 
No fim do exercício, o cão está ofegante, exausto, como sempre. Oliver Cussenot fita-o não apenas com o olhar observador de um cientista, mas também com gratidão – a sua tese foi validada.

O protocolo do professor Cussenot ainda está em fase de estudos.

Continua a haver muitas perguntas por responder. Estará Aspirant a detetar apenas uma das assinaturas de cancro ou uma combinação de assinaturas? Será o odor de todos os cancros semelhantes ou terá cada um (próstata, pulmão, cólon…) a sua identidade olfativa?
Entretanto, Aspirant tem aplicado o seu olfato a amostras vindas de doentes que sofrem de outras formas de cancro – pulmão, cólon – enviadas pelo professor Cussenot.

A 12 de fevereiro, na Base Militar 123, Aspirant recebeu – oficial e excecionalmente – a Medalha de Bronze da Defesa Nacional Francesa.    
in Selecções Reader’s Digest

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